quarta-feira, 30 de maio de 2012

Caxinas: Retratos de gente de Vila do Conde

Terra de antigas rivalidades. A pesca e o mar são as autoridades máximas. Afirmam que são caxineiros de raça, genuínos. A pobreza já foi forte. As casas eram construídas com restos de madeira dos barcos. Naufrágios e mortes são aflições de quem sobrevive.



o é fácil entrar no espírito da gente de um lugar que começou a ser povoado há pouco mais de 150 anos. Na origem, o bairro piscatório das Caxinas era o prolongamento natural da Póvoa de Varzim, embora o território pertença ao concelho de Vila do Conde.





A mercearia e tasca :”Vila Cova” de propriedade de Dona Carolina Moreira. Têm como cenário das montras e prateleiras, misturam: roupas, chinelos, edredons, brinquedos, enlatados e bebidas. Após 50 anos atrás do balcão, Carolina Moreira, apresenta-se com as mãos grosseiras, transfiguradas pela vida e ocupação em lavar copos e arranjar os peixes.

Carolina não trás vaidade com ela, de aparência totalmente humilde, mas com uma memória fantástica, ela aprendeu a lidar com a freguesia caxineira: “ Esses velhotes que têm mesmo sarne, se lhe fizerem mal a um gatinho ou a um cãozinho, ou a um neto. Deus me livre! Isso também é risco, mas é também paleio,” explica dona Carolina, mostrando com as mãos a força dos velhotes.

São velhos lobos-do-mar, com a voz gasta pelo cigarro e pelo bagaço e com expressões, que o dicionário não consegue traduzir. Caxinas é o coração de um lugar que o mar do norte não mudou.

Com o sol a poisar no horizonte, o Joel Carlos, zarpa para Matosinhos. A tripulação é da Póvoa de Varzim e do bairro piscatório das Caxinas, lugar de rivalidades antigas, que o tempo tem vindo a dissipar.
Os meus filhos são caxineiros, a minha mulher é caxineira. Eu praticamente sou caxineiro,” conta com orgulho o mestre Zé da Reca. E sente-se bem lá? “Sinto-me bem. se me dessem uma casa para. morar para Póvoa, eu não ia morar pra Póvoa. Morava nas Caxinas,” completa.


Chamava-nos, a nós da Póvoa, os “polacos”, mais a norte. E chamavam “marroquinos” aos do sul. E era até escrito nas paredes: aqui é fronteira de Marrocos, aqui é fronteira de Polacos, havia era falta de convívio.” conta o Sr. Neca Morin.


Neca Morin, nasceu polaco, mas assentou arraias nas Caxinas em 1966. Abriu o “Café Imperial”, que durante muitos anos, foi o único café da terra. A concorrência cercou o velho “Imperial”. Mas, ainda hoje é o café do Neca que em duas tacadas de bilhar, os caxineiros vêm saber as últimas novidades.


                                                              Igreja e sociedade


 

Acreditamos que os nossos irmãos vencidos pelas ondas do mar estão guardados pelo Senhor em paz,” diz o Padre Domingos na missa.


Na igreja das Caxinas, famosa pelo arrojo da arquitetura em forma de barco, o Padre Domingos Oliveira, nunca se esquece de evocar aqueles que o mar levou desde 1976. O ano em que chegou à paróquia dos pescadores.

“Nas minhas contas são 87, porque eventualmente não houve assim tantos naufrágios, para contabilizarem esse número, mas nas embarcações, aqui ou acolá, também há homens que falecem ou porque caíram ao mar ou porque enchem o guidão na cabeça, portanto não há tantos naufrágios de barco, mas é alguém que naufraga no barco. Assim no mar, ao todo, dá na minha conta o impressionante número de 87,” explica o Padre.

                                                População, Poder Politico e Ação Social



Numa população a rondar os 17 mil habitantes, dificilmente encontramos nas Caxinas alguém que não tenha perdido um familiar no mar. O inverno já se tornou tempo de dor, de luto e de permanente sobressalto.

Temos muita gente imigrada, dificuldades da pesca, as diretrizes comunitárias cada vez mais rigorosas. Assim o percurso faz com que os pescadores vão para outros países. E portanto quando eu ouço um naufrágio em qualquer parte do mundo, receio logo que estejam lá vila condenses, como muitas vezes tem acontecido,” explica Mário Almeida- Presidente da Câmara Municipal de Vila do Conde. 

Ao gabinete de Ação Social da Câmara Municipal de Vila do Conde chegam, todos os dias, pedidos de ajuda das mulheres de pescadores que morreram no mar. Maria dos Prazeres é um desses casos. Ela ficou sem trabalho na sequência de um acidente de viação. Com o pouco dinheiro que restou, arrisca-se na venda de peixe no Mercado das Caxinas. A filha de 27 anos perdeu recentemente o emprego e o filho mais novo está com a ideia de abandonar a escola. A assistente social explica à Maria que o filho não tem idade para trabalhar.
                                                            

                                                             As Mulheres Caxineiras



As mulheres são a espinha dorsal das Caxinas: esposas, mães e avós, são elas que vendem o peixe, fazem negócios e cuidam da família e dos negócios da pesca. Não há muitos anos compunham o magro orçamento familiar na apanha do sargaço que servia para fertilizar as terras dos lavradores. Arrastadas pelas correntes marítimas, algumas mulheres perderam a vida.


“ Eu andava grávida da minha filha mais velha, ela agora tem 52 anos, e o próprio recheio levou-me pra fora e até veio gente da Poça da Barca, mas eu sabia muito bem nadar. Botava a barriga pro ar, e eu punha-me ali a boiar. Foi o que me valeu.” Conta Adelaide Coentrão.

A luta pela subsistência por vezes dava episódios bizarros. Adelaide Coentrão, ainda se recorda o dia em que enterrou o filho na areia para poder trabalhar. “ Pronto, a gente ia pra praia pro sargaço, pra água, e como ele já engatinhava, pra ele não vir atrás de mim e água a dentro. O que faço? Faço uma cova muito funda e enterrei o menino até aqui (dá indicação dos ombros) para ele não se mexer.”
                          Naufrágios e mortes: angustia , dor e aflição que nunca se apagam

                                       

A fome, privações e o aspeto da morte sempre a pairar sobre as mulheres das caxinas. No espaço de um mês, Eva Marques, perdeu dois irmãos no mar. Não está sozinha no infortúnio e de uma vez só, Assunção Peixinho ficou sem os três irmãos e um primo. Uma dor que o tempo não apaga.

Sempre que a gente fala de um naufrágio daqui ou da acolá, estou a viver como o bater na minha porta às duas horas da manhã com os meus irmãos naufragados. Nesse dia morreram nove pessoas. Todos os naufrágios que existem aqui, mexem sempre connosco. E é uma ferida que nunca fecha. Desabafa Assunção Peixinho.


O último naufrágio aconteceu em dezembro de 2011 quando a embarcação Virgem do Sameiro , naufragou com 6 tripulantes, sendo resgatados do mar três dias depois.


Convido os leitores a visualizarem o video disponibilizado no Youtube, em que mostra os pescadores das Caxinas, que se revelaram no futebol nacional e no estrangeiro.





Imagens antigas das Caxinas, que foram disponibilizadas pelo Senhor José Vila Cova, que é uma espécie de guardião da memória das Caxinas.


Caxinass - picture slideshow

Patrícia Alves.























































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