quinta-feira, 24 de maio de 2012

Nuno M. Cardoso: "Fui parar ao teatro por causa da música"


Fonte: www.facebook.com
Nascido em 1973, Nuno M. Cardoso conta com um vasto percurso teatral. Encenou peças como Emilia Galotti, primeiro texto de Lessing a ser levado a cena em Portugal, Máquina-Hamlet ou Mercador de Veneza. Atualmente é assessor artístico do Teatro Nacional São João e participa em várias peças como encenador e ator.

O Dramaturgo: Nuno, como inicia o seu percurso pelo teatro?

Nuno M. Cardoso: Tudo começou quando, na minha adolescência, tive uma banda de garagem, em casa dos meus pais. Fazia parte de dois dos projetos que ensaiavam nessa garagem. Depois notei que precisava de desenvolver a minha parte performativa à medida que começaram os concertos. Na escola secundária Soares dos Reis frequentei alguns workshops de teatro para desenvolver as tais capacidades performativas para os concertos, para a música; na realidade fui parar ao teatro por causa da música
A minha primeira encenação é no final do liceu, em que faço também trabalho como ator; embora não tenha sido uma experiência ao nível profissional, foi a minha primeira experiência no teatro.


OD: Quando decide que está na altura de se dedicar em pleno ao teatro? 

NMC: Numa certa altura, tive que deixar as aulas e dedicar-me profissionalmente ao teatro. Em 1991 é quando faço o meu primeiro espetáculo profissional, em que tenho o meu primeiro contrato e vencimento como ator
Em 1997 decido abandonar a licenciatura porque em finais de 95, início de 96, formei no Porto em conjunto com outros amigos, a companhia Teatro Só. Aí, começo a desenvolver não só o trabalho como ator mas também como encenador. 
Nessa companhia, um dos grandes trabalhos desenvolvido foi o Máquina-Hamlet, de Heiner Müller. Este espetáculo teve prémio de crítica e outro da fundação Gulbenkian

OD: Teve participações em peças ou textos originários de outros autores que fizeram parte da história, tal como Shakespeare, Tchekhov ou Lessing, mas também já encenou peças contemporâneas. Sente um peso ou responsabilidade acrescidos quando se remonta a autores clássicos?

NMC: Tento fazer a gestão entre um autor clássico e um contemporâneo. 
Mas quando os autores estão vivos, a responsabilidade é maior. Corremos o risco de eles estarem presentes, sabendo do que se trata, do que se fala e eu posso estar a fazer uma coisa diferente, por ter mesmo uma leitura diferente. Com os clássicos, já não havendo a existência física dos autores posso, com todo o respeito, “fazer o que quiser” com o legado que nos deixaram. Como é evidente há respeito mas há também toda a liberdade.

OD: Foi muitas vezes dirigido por Nuno Cardoso, seu homónimo e uma grande referência no teatro português. Porém, em algumas peças como Otelo ou Gretchen, os papéis acabaram por se inverter. Qual foi a sensação de passar “para o lado de lá” e dirigir este (também) encenador?

NMC: O Nuno é um amigo meu e com quem já partilho cumplicidades e trabalhos desde 1999. Habitávamos a mesma cidade. 
Na altura em que eu regresso ao Porto, vindo da universidade, ele regressa também e, com o grupo de teatro Visões Úteis, começa a fazer teatro profissional no Porto. Num desses dias, em 1995, enquanto passeava pelas ruas, vi um cartaz com o meu nome e fiquei a pensar em quem será aquela pessoa, com o mesmo nome que eu, que está a faz a mesma actividade que eu e na mesma cidade (Porto). 
Depois, como admirava bastante o trabalho dele, convidei-o para interpretar um texto de um dos maiores autores para mim, Bernard-Marie Koltès, Na solidão dos campos de algodão.
O Nuno Cardoso chama-me posteriormente para participar nalguns espetáculos contemporâneos dele, por exemplo Sarah Kane, Don Delillo, entre outros. 
Continuámos esta parceria noutras peças. 

OD: Outro grande encenador com o qual trabalhou foi Ricardo Pais, tanto na assistência e apoio à encenação como enquanto ator. Alguns exemplos são peças como Turismo infinito e Mercador de veneza. O que de mais importante aprendeu com o trabalho deste encenador?

NMC: O Ricardo surge aqui com a minha interpretação em Máquina Hamlet do Heiner Müller. Ele assistiu e convidou-me para fazer a substituição de um espectáculo que ele estava a preparar, que era A salvação de Veneza e desde então estabelecemos uma cumplicidade. No ano a seguir convidou-me para fazer uma assistência de encenação e fui acompanhando vários trabalhos que o Ricardo foi fazendo tanto na representação, como na encenação. 


OD: Uma das suas recentes peças, a Oresteia em Las Vegas, tem uma componente diferente do habitual: envolve ativamente o público na obra. Como descreve essa experiência teatral?
NMC: No meu percurso tentei desde sempre trabalhar várias formas de fazer teatro: trabalhar a partir de uma peça escrita ou através de conceitos. Um destes conceitos no Oresteia tem que ver com a decisão, seja na vida ou na arte
De que forma é que somos ou não filhos do destino ou provocadores do futuro. Estas são as duas premissas que estão presentes desde o início da Oresteia em Las Vegas. A terceira é o jogo. Nos jogos chamados de azar,  a sorte dita muita coisa.
Coloca algumas questões ao próprio público, como por exemplo questionar porque razão o público é público. O momento em que as pessoas deixaram de ser assistência para serem participantes.
Uma outra coisa muito importante que é tratada neste espetáculo, é deixar de se ver o teatro como um bem de consumo (mesmo imaterial) e participarem na  produção.

OD: Emilia Galotti, com encenação e dramaturgia da sua autoria, é uma “tragédia burguesa” onde o poder (nobreza) oprime constantemente o povo (burguesia). A peça original estreou em 1772. De que forma estes factos podem estar refletidos no contexto político, em pleno século XXI?

NMC: Estão refletidos da mesma maneira porque não evoluímos muito nas nossas formas de pensar, nas nossas formas de nos relacionar social ou pessoalmente. Uma dessas formas de relacionamento é a opressão, tal como existe a cooperação, etc. Essas formas é que se vão refinando, ou não. Esse sentimento opressivo não mudou desde os tempos mais primordiais até hoje. 

OD: Participou no filme  O quinto império – ontem como hoje, de Manoel de Oliveira. Como foi este experiência no cinema? Quais as principais diferenças?

NMC: É uma participação pequena mas foi excelente ver como o Manoel de Oliveira trabalha. Aceitei o convite de imediato. As diferenças são muito grandes. Mesmo ao nível da direcção de atores, por exemplo, não só na representação.

OD: É um dos coordenadores das “Leituras no mosteiro”, juntamente com Paula Braga, evento que decorre no Mosteiro de São Bento da Vitória. Como nasce este projeto?

NMC: O projeto que nasceu através do “Novo Grémio do Porto” dirigido por Daniel Pinto, que até há um tempo atrás ainda era um dos cordenadores, que já organizava leituras. Começou com a vontade de ler e de ouvir textos
 Tem sido um êxito. Não são pessoas contratadas que fazem as leituras, são as próprias pessoas que vão que as fazem.
No final há uma conversa aberta, uma visão de alguém mais informado e especializado sobre o que está a ser lido. Aqui, a ideia não é fazer algo académico, embora tenha uma componente pedagógica. É o prazer em ler e ouvir ler

OD: Sabendo que está atualmente em ensaios, quais os seus próximos projetos teatrais?

NMC: Neste momento estou a colaborar em dois projectos: um no TNSJ que é Alma, baseado no Auto da alma, de Gil Vicente. O encenador é o Nuno Carinhas e a peça estreia no início de março. Uma visão muito particular sobre o que é isto da alma.
Também estou a cooperar na encenação de uma peça de teatro do Mickael de Oliveira, Boris Yeltzin que parte da Oresteia de Ésquilo. Faz uma abordagem completamente política da situação política portuguesa, europeia e dos países ocidentais, lançando para um país de Leste.

Ao abrigo do Novo Acordo Ortográfico

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