Sapateiros, distribuidores de pão, merceeiros que
vendiam o vinho a quartilho, engraxadores de sapatos na rua... São ofícios que
ficaram para trás.
Laura Vieira, 67 anos, distribuiu pão fresco, todas as
manhãs, ao longo de mais de 30 anos.
Anos 70, arredores de Vila Nova de Gaia. Aos 30
anos, fazer tapetes não era suficiente e a oportunidade veio na hora certa. Os dias começavam agora às cinco
da madrugada. A caminhava ía das seis às das nove horas da manhã.
Isabel Babo-Lança, socióloga, explica que «nos anos 70 o país vivia miseravelmente pobre, fechado,
sem liberdades, sob o regime fascista e a guerra colonial em África, que
depauperava o já muito frágil tecido laboral.» A abertura à técnica
demorou.
Os clientes surgiram com o tempo. Nos melhores anos, chegou a
vender 90 dúzias de pão por dia. Uma quantidade respeitável.
Entretanto, a chegada das padarias fez-se sentir. As
quantidades encomendadas reduziram para metade.
Laura fica agora por casa, a descansar e a gozar a
reforma.
Quando se quer o trabalho que escasseia
A saudade é o que fica quando se deixa de fazer o que
se gosta. Uns quarteirões adiante da casa de Laura, está Júlio, 82 anos, ao
portão. Está, acompanhado pela esposa, Maria Matilde, à conversa com um
vizinho. «Eu queria era trabalhar», queixa-se o sapateiro.
Foi na tropa que aprendeu o ofício. Agora, a prática
de usar e deitar fora faz com que os clientes escasseiem. Isabel Babo-Lança
esclarece que isso se deve à «lógica do consumo
e da efemeridade.»
A meio da conversa com Júlio, aparece um jovem com
sapatos para consertar. «Amanhã está pronto». A reforma não existe para o sapateiro. «Naquela altura
não se descontava.» Por isso, vive dos trabalhos que faz e da reforma da mulher.
Maria Matilde queixa-se da monotonia da falta de trabalho.
Laura deixou a profissão quando chegou à idade da
reforma, já lá vão dois anos. Se voltasse atrás, faria tudo o que fez. «Gostava
de caminhar, distribuir o pão, convivia com pessoas, e ainda costurava.»
Agora, entretém-se a fazer tapete, de vez em quando.
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