sexta-feira, 5 de abril de 2013

Estação de São Bento: quatro painéis, quatro histórias

Quem nunca entrou pela estação de São Bento dentro, edifício neoclássico projectado pelo arquitecto José Marques da Silva, ante-câmara da cidade do Porto, só para admirar o património artístico, os magníficos painéis de azulejos, executados pelo pintor Jorge Colaço, que adornam e embelezam as suas paredes, belíssimas narrativas imagéticas da História de Portugal? Por ventura, milhares de transeuntes apressados para apanhar o comboio ou um tropel de turistas curiosos, de mapa em punho, a perscrutarem a elevação estética que figura no átrio de São Bento, antigo convento que, no século XVI, acolhia as freiras beneditinas da ordem de São Bento de Ave Maria.

Comecemos, então, pela primeira história, por uma das imagens em azulejo que se observam a partir da perspectiva de quem atravessa o átrio pelo pórtico situado no lado esquerdo da fachada do edifício. Trata-se da apresentação de Egas Moniz e da sua respectiva família perante o rei de Leão e Castela, Afonso VII, para saldar uma dívida de fidelidade não cumprida pelo rei D. Afonso Henriques, aliás, primo deste rei castelhano. Com efeito, depois de ter sido coroado na Catedral de Leão, Afonso VII procurou granjear a obediência dos estados dependentes. Tal prerrogativa estendia-se ao Condado Portucalense, governado por D. Afonso Henriques, que acabou por jurar fidelidade ao rei de Castela, acto assumido por Egas Moniz, na sequência do cerco ao castelo de Guimarães. Porém, Afonso Henriques destoou mais tarde da promessa feita e, em consequência, Egas Moniz, qual símbolo de fidelidade vassálica, viu-se na obrigação moral de se apresentar, a si e à sua família, diante de Afonso VII, com o fim de, como descreve Camões no último verso da estância 38 do canto 3 dos Lusíadas, “pagar com a vida o prometido”. Nos azulejos, Egas Moniz, a mulher e os filhos são representados descalços e com uma corda segurada nas mãos, determinados a morrer para restaurarem a “palavra empenhada”. Conta a lenda que o acto emocionou o rei castelhano, de tal forma que isentou de culpas o fiel aio de Afonso Henriques e sua família.

O painel de azulejos sobreposto a este último relata a história do Torneio de Arcos de Valdevez. O torneio, recurso militar consagrado no código da cavalaria medieval para evitar a eclosão de uma batalha em campo aberto, travou-se entre os cavaleiros portugueses e castelhanos em 1140 na vila homónima. O torneio disputou-se depois de Afonso Henriques ter desrespeitado o tratado de paz firmado em Tui e, posteriormente, invadido a Galiza, após a conquista portuguesa na Batalha de Ourique (1139). Como retaliação, Afonso VII decide também ele invadir a fronteira portuguesa, devastando terras e castelos, até descer em direcção a Valdevez, onde as hostes se encontram. O torneio saldou-se por uma vitória portuguesa.

Do outro lado do átrio, observamos outros dois painéis de histórias portuguesas azulejadas. No plano inferior, é-nos apresentado a figura heróica do Infante D. Henrique, aquando da expedição e conquista de Ceuta (1415), acontecimento que determina a origem dessa grande epopeia de ouro que foi a expansão ultramarina portuguesa. A tomada de Ceuta começou a ser pensada ainda no ano de 1409 e tratou-se, indubitavelmente, de uma iniciativa organizada e promovida pela Coroa portuguesa. Para uma missão de tal envergadura, que fervilhou o entusiamo de quase toda uma nação, foi constituída uma armada composta por cerca de duzentos navios e mais de 20 mil homens, a maior esquadra que até à data se reunira no porto de Lisboa. A armada lusitana zarpou do Tejo a 25 de Julho de 1415 e, ultrapassadas todas as adversidades meteorológicas e humanas, desembarcou por fim em Ceuta no mês seguinte, a 22 de Agosto. Impelidos pelo ideal cavaleiresco, cruzadístico, os infantes portugueses D. Duarte, D. Pedro e D. Henrique, os mais entusiastas apologistas desta empresa, surgem a combater o inimigo marroquino, um acto de afirmação dos mais insignes valores guerreiros. Findadas as lutas, D. João I sagra, na mesquita agora convertida em igreja cristã, os infantes seus filhos. Jorge Colaço fornece-nos uma imagem não menos apoteótica de todo este panorama que a conquista da praça de Ceuta favoreceu, inequivocamente um “marco miliário da História de Portugal”. É ver o jovem, mas impetuoso e audaz infante D. Henrique a submeter, com a bandeira hasteada e o peito da couraça bem saliente, heroificado, os assustados e derrotados mouros.

No plano superior celebra-se a chegada ao Porto do primeiro rei da segunda dinastia portuguesa, o já referido D. João I, para consumar o seu matrimónio com D. Filipa de Lencastre. O casamento de D. João I com D. Filipa de Lencastre inscreve-se no contexto da aliança diplomática, política e comercial que Portugal estabeleceu com a Inglaterra. Em 1386 foi assinado o Tratado de Windsor, o garante selado pelas duas nações de uma paz perpétua, no qual a Inglaterra se comprometia a apoiar a nova dinastia e o monarca português a proteger os interesses do duque de Lencastre ao trono castelhano. D. João I, ainda no mesmo ano, viria a encontrar-se com o duque inglês em Ponte de Mouro, onde seria assinalado um novo acordo que previa a invasão anglo-lusa do reino de Castela. Foi durante este encontro que ficaram também acertados os detalhes para a realização da boda entre o rei D. João I e a filha do duque de Lencastre, D. Filipa de Lencastre, cerimónia que veio a concretizar-se no Porto, em 1387, acontecimento histórico representado nestes painéis da estação de São Bento, nos quais podemos ver identificados a figura do rei português montado a cavalo, precedido da sua comitiva, a fazer a sua retumbante entrada na cidade do Porto, conduzido pela mão abençoadora do patriarca.     

Por Joaquim Pinto

 

 
 

 
 

 
 

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