domingo, 6 de fevereiro de 2011

Artes Plásticas: Pouco Apoio, Muita Preseverança

A Galeria Alvarez, a Quadrado Azul, a Serpente ou a Galeria Fernando Santos são exemplos de determinação e continuidade na área artística que menos apoio recebe do Ministério da Cultura.

A Galeria de Arte Contemporânea Alvarez (desde 1954), na Avenida da Boavista no Porto, apresenta-se humilde perante a magnitude da Casa da Música, mesmo em frente, do outro lado da estrada. No seu interior encontram-se dispostas as obras da exposição mais recente “Coletiva de Natal 2010”, que junta três esculturas de  cerâmica e várias pinturas.
Daniel Isidoro, atual diretor da galeria, explica que “a Academia livre de desenho e pintura Dominguez Alvarez foi um espaço-atelier de experiências, de diálogo, de orientação e de desenvolvimento de cada aluno”. O galerista menciona com vivacidade o facto daquele espaço ter sido pioneiro das novas formas do ensino da pintura. “Atualmente existem algumas poucas galerias com função cultural, onde o colecionador poderá ter confiança na aquisição da obra de arte mesmo sabendo-se que a provocação das vendas serve os artistas e os gastos da galeria na promoção, catálogos, etc” diz.

Ainda com uma atitude jovem e insurgente, Daniel Isidoro descreve o percurso da instituição repleta de altos e baixos. “Nestes cinquenta anos [...] muitos momentos foram de [...] sabor amargo, pondo em questão o mercado de arte, umas vezes bom outras vezes mau; e sendo a arte o melhor investimento, as pessoas não sabem por razões de cultura adquirir obras de arte.

Compra-se mais porque se gosta do que por análise da qualidade da pintura. É o país que temos, culturalmente pobre.” Quando confrontado com a retração económica que o País poderá sentir já no próximo ano, Daniel Isidoro demonstra-se hesitante, mas seguro. “[Já] passei por revoluções sociais e crises económicas. A revolução do 25 de Abril [também] trouxe ás artes plásticas problemas de sobrevivência.”

A Rua Miguel Bombarda, no Porto, é já um símbolo de divulgação da Arte Contemporânea
Mais de uma dezena de galerias, estúdios ou armazéns de exposição, se juntam na Rua Miguel Bombarda. A agitação que regularmente rompe na rua, provocada pela passagem de visitantes habituais ou apenas curiosos do momento, é reflexo do sentimento de vanguarda, proporcionada pela aglomeração dos espaços de
expressão e liberdade.

Manuel Ulisses, à porta da Galeria Quadrado Azul, da qual é diretor e fundador desde 1986, diz que na sua opinião “as artes performativas devem ser apoiadas”. A sua preocupação revela os largos anos de experiência no ramo das artes, durante os quais lutou por políticas mais justas. O diretor chegou mesmo a comunicar com o Ministério da Cultura no sentido de obter apoio, no âmbito da participação numa feira internacional em Madrid. “Eu já propus ao Ministério da Cultura, com o anterior ministro o Dr. António Pinto Ribeiro, num ano que fomos ao ArCo (feira internacional de Arte Contemporânea) em Madrid, e eles queriam-me dar uns subsídios e eu não
aceitei porque eu sou contra os subsídios. E portanto, propus-lhe que o Ministério da Cultura comprasse obras de arte em vez de dar dinheiro diretamente; ajudavam os artistas e a galeria, e eles ficavam com um bem. [Esta] proposta resultou em nada.”

Manuel Ulisses, deixa claro que os subsídios assemelhan-se a esmolas, e que há o hábito em Portugal de se “choramingar” por ajudas do Estado, quando o trabalho não o justifica. Diz ainda que o Governo ao ter a iniciativa de adquirir obras de arte, estaria a legitimar e a dar confiança ao sector privado para o hábito do colecionamento de património. “As iniciativas devem ser controladas mais que nunca. Cada vez se vê mais malandragem e mais mentira”, diz ainda Manuel Ulisses relativamente á necessidade de se fiscalizar minuciosamente a disponibilização de verbas . “Os apoios devem ser dados com critério” diz.

A Galeria Quadrado Azul é também conhecida por sempre ter facilitado a exposição de obras de artistas jovens, saídos das Belas Artes. “Muitos deles não aproveitam a oportunidade que se lhes dá. Isso aí é um problema de cada um. [Os alunos] saiem da escola ás centenas, e nem todos vão ser artistas”, reitera o galerista afirmando que a própria Faculdade de Belas Artes deveria disponibilizar condições para os alunos exporem as suas obras, em vez de deixarem ás galerias essa responsabilidade.

O diretor da Quadrado Azul conclui que “o bilhete de identidade de um povo é a cultura”, remetendo comparativamente a questão para o caso espanhol, que tem um ou dois museus de arte contemporânea por província, enquanto que Portugal tem unicamente um nos país inteiro, o Museu de Serralves. “É preciso investir” finaliza Manuel Ulisses.

“A cultura é o parente pobre dos governos”
Em frente, a Galeria Fernando Santos fundada em 1993, apresenta-se mais movimentada, entre materiais a serem descarregados freneticamente de uma carrinha e pessoas de várias idades que vêm apreciar a exposição mais recente, do artista espanhol Antoni Tàpies.

Apesar de toda a agitação, a galerista Joana Silva fornece atenciosamente a sua opinião quanto ao papel do Estado relativamente à cultura. “A APGA (Associação Portuguesa de Galerias de Arte) que deve defender o interesse das galerias, propôs que fosse disponibilizada uma verba para a internacionalização”. Para Joana Silva, apesar de não se poder misturar as artes pláticas com o mercado do calçado por exemplo, considera que o Estado deveria apoiar na divulgação internacional da mesma forma. “Os nossos artistas não são um produto no sentido mercantilista da questão, mas a arte que eles desenvolvem é a cultura do povo. É a imagem e a marca deste país e deveria, obviamente, ser mais apoiada” afirma a galerista.

Mais uma vez o nosso país vizinho serve de referência, quando Joana revela que na Arte Lisboa 2010 (feira de arte contemporânea realizada entre 24 e 28 do mês passado) “as galerias espanholas [...] já estavam com a feira paga”. Toda a logística que envolve transporte, estadia, seguros, aluguer de espaço, embalagem das peças, etc, são pagas na totalidade ou em parte pelo estado espanhol, levando Joana Silva a concluir que “tudo o que vendessem era lucro da galeria e lucro do artista, enquanto que nós deveriamos ter vendido muito mais para primeiro pagar as despesas e depois, então, ter lucro.”
A deslocação a uma feira de arte contemporânea é muitas vezes, segundo Joana, prejuízo para a galeria, “em 2010 fizemos 3 feiras e em 2011 eventualmente não vamos fazer nenhuma; não nos podemos nesta altura dar ao luxo de correr riscos”.
Joana Silva diz também que é importante fazer a distinção entre as galerias de primeiro e de segundo mercado, já que as primeiras trabalham diretamente com os artistas, apoiando a produção dos mesmos, e as últimas preocupam-se apenas com a compra e venda das obras.

Desta forma reduz-se ainda mais o leque de apoios institucionais aos produtores. A Galeria Fernando Santos é uma das que providenciam esse apoio, mas Joana Silva alerta para a questão do limite orçamental de cada galeria, que tem de calcular eficazmente a relação entre a quantidade e a qualidade, “o número de artistas que cada galeria representa nunca pode ser muito grande, de outra forma não fariamos um bom trabalho com nenhum deles”. Isto significa que por falta de meios de produção e divulgação, inúmeras ideias ficam por se materializar. A galerista dá um exemplo disso, revelando que em Setembro deste ano a Fernando Santos levou a
cabo a produção e exposição de quatorze peças de Jorge Ribeiro, que estavam “na gaveta” desde os anos sessenta.

Joana Silva alerta ainda para a questão do centralismo, clarificando que em Portugal “temos um turismo normal e natural para a capital; [...] para as segundas cidades, como é o caso do Porto, já não é tão natural e tem de haver um atrativo qualquer”. Refere o caso de Barcelona, Bilbao, Manchester ou Bordéus que apesar de não serem capitais conseguem atrair turismo “porque têm qualquer coisa de especial”. A galerista explica que “a cultura é o parente pobre dos Governos”, mas apesar disso vê com otimismo o futuro desta àrea.

“Há pessoas que preferem ter pósteres em casa, e até têm capacidade aquisitiva”
Na Galeria Serpente encontra-se o mais recente trabalho de Teresa Gil, intitulada Natureza (não) Morta. As pinturas demonstram o “murchamento” da natureza, acompanhadas metaforicamente pela presença humana.
Momentos depois o visitante aperceber se á de que o chilrear que ouve também faz parte da instalação. É neste ambiente surpreendentemente acolhedor que Isabel Cabral, diretora da galeria, diz que gostaria de ver uma maior divulgão da arte para o exterior.
“Há países onde se nota muito o empenhamento em divulgar a sua cultura; nós somos um país pobre e há outras prioridades como é óbvio”. Isabel Cabral considera que a falta de emersão artística dos portugueses é tanto uma questão económica como socio cultural, “há pessoas que preferem ter pósteres em casa, e até têm capacidade aquisitiva”.

A galerista enquadra também esta situação com o panorama educativo português. “Tem havido uma série de cortes a nível do ensino que também vai ter interferência nos resultados finais da preparação que um aluno deve ter. Esta guerra que tem havido entre o Ministério [da Educação] e os professores, não valoriza o ensino” diz Isabel Cabral. A diretora não descarta contudo a importância do trabalho do artista, que lembra ser de cariz extremamente individual. “No caso das artes plásticas o trabalho é muito fechado no seu atelier, [...] depois cada um é que tem de desenvolver o melhor possível o seu trabalho”.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística num inquérito às “Galerias de Arte e Outros Espaços de Exposições Temporárias”, por cada mil habitantes registaram-se no ano passado 811,2 visitantes. O maior número alguma vez registado em todo o País. Contudo, a Direção Geral das Artes do Ministério da Cultura decidiu  disponibilizar 550.000.00€ para àrea das Artes Plásticas e Fotografia, do montante global disponível (19.450.000.00 €). Verba consideravelmente inferior àquela adquirida pelas outras disciplinas artísticas (Música: 1.880.000.00€; Dança: 1.920.000.00€; Cruzamentos Disciplinares: 3.800.000.00€ e Teatro: 11.300.000.00€).

Uma fonte no Ministério da Cultura diz que se trata de uma questão logística, afirmando que “as infra estruturas e todos os elementos necessários para a realização e exposição de uma galeria de arte têm um custo muito inferior em comparação a tudo o que é preciso reunir para fazer funcionar uma peça de teatro ou um bailado por exemplo.” Quanto à aquisição de obras de arte, o ministério diz já ter estipulado vários protocolos com a Fundação de Serralves e o Museu Coleção Berardo, com a quais se compromete a participar financeiramente.

Por: Marcelo Maia

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