domingo, 6 de fevereiro de 2011

Destino: uma vida melhor: Chegar, ver, integrar-se e vencer

Por cada 100 portugueses que saem do país, entram 15 novos imigrantes. São provenientes de vários pontos do globo, mas principalmente da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Viajam à procura de um futuro diferente, desafiados pelo destino. Mas nem tudo é como o idealizado, e a integração na cultura portuguesa pode ser um longo caminho de aprendizagem.


Deixar a pátria, as raízes, o país onde se cresceu e rumar a um novo lugar é um acto de coragem e determinação. O risco é algo indissociável da descoberta do desconhecido. Que o diga Deisimar Nogueira: “Nunca estive preparada para o que enfrentei”. Natural da cidade de Coronel Fabriciano, em Minas Gerais, tem 46 anos e vive em Portugal há quase uma década. Nunca sonhou sair do Brasil. A mudança foi uma consequência do contexto em que vivia no Brasil: queria ter e dar uma vida melhor à mãe. Estava desempregada quando uma amiga lhe sugeriu viajar para Portugal, para trabalhar dando apoio a idosos. “Foi tudo em cima da hora, em 2 meses ficou tudo arrumado. Esse trabalho caiu do céu para mim!”. Veio para ficar apenas 2 anos, mas o fado português ditou-lhe outra sorte.
 Já viveu no Sul, no Centro e, actualmente, mora no Norte do país. De todos os sítios que conheceu, por cá, prefere a cidade Invicta, pois a hospitalidade portuense cativou-a.
Para além de tomar conta de idosos, trabalhou no ramo da restauração, na construção civil e numa empresa de limpezas.
Conheceu aquele que hoje é o seu marido, casaram e, está prestes a pedir a dupla nacionalidade.

No dia trinta de Março de 2001, estava já instalada em Lisboa, acompanhada da amiga, quando começa a perceber que nem tudo iria correr sobre rodas. “Fui parar a uma casa onde viviam 3 gays e mais um homem. Eu tinha conforto em minha casa [no Brasil], aqui…”.
No entanto, a sua maior dificuldade foi estar longe dos que mais gosta. Tal como afirma, “Brasileiro é muito apegado à família”. É a mais nova de quatro irmãs e foi a única a sair de casa para atravessar fronteiras.
“Os brasileiros vêm para cá porque há a vantagem da língua ser igual e porque querem construir alguma coisa lá.” Segundo dados da Casa do Brasil, 45 por cento dos imigrantes brasileiros pretende regressar ao país natal. E Daisy - como todos lhe chamam - não é excepção: “Quero voltar, isso é ponto assente”.

Questionada quanto ao seu processo de integração, responde com firmeza: “Me adequei, vivo ao modo dos portugueses”. Mesmo assim não deixa de sentir falta do calor, da animação e do espírito aberto e sociável dos seus conterrâneos. Contudo, aqui não procura conviver com estes. “Eu me afastei completamente dos brasileiros. Aliás, não tenho muitos amigos cá. Aqui tudo muda, a mentalidade muda. É raro brasileiros conviverem entre si, aqui. São interesseiros, o olho cresce.”
Daisy veio para Portugal, numa altura, em que estava ainda muito presente a polémica das imigrantes brasileiras em Bragança. “Eu já vim muito avisada. O marido de uma minha amiga me avisou que ia escutar muita boca porca”. Em Viseu recorda um episódio de xenofobia explícita, em que entrou numa loja e o proprietário recusou-se a atendê-la. Ignorando-a completamente, acompanhou-a até à saída. “Senti pela primeira vez, na pele, discriminação”.
Apesar de alguns momentos menos bons, nunca pensou em desistir, pois considera-se uma pessoa persistente: “Coloquei na cabeça que vou vencer, e vou vencer!”
Quando olha para trás, a comerciante orgulha-se de ter já construído alguma coisa. E embora o trajecto que fez não ter sido o idealizado, revela que foi compensatório: “Foi uma experiência de vida muito importante. Percebi que o mundo é a melhor escola.”

Estudar e trabalhar, para pagar os estudos e ter algum dinheiro próprio, pode ser uma tarefa árdua. Se a isto adicionarmos o facto de se estar, praticamente, sozinho num país diferente e num continente diferente, o cenário pode ser ainda mais peculiar.
Isabel deixou Cabo Verde para frequentar o ensino português. “Era um sonho estudar em Portugal. Na altura achava que tinha mais condições e que aqui tudo era melhor, além disso queria ter mais autonomia”. Hoje, aos 24 anos, está no último ano da licenciatura em Jornalismo e realizou um sonho de infância: tirar um curso de manequim profissional.
Partilha uma casa, no centro do Porto, com algumas raparigas da mesma nacionalidade.
A vida de Isabel deu uma volta de 360 graus. Trabalhou num lar de idosos, fez limpezas e agora trabalha como empregada de mesa, sem nunca deixar de estudar. Reconhece que manter todas estas actividades é complicado, pois o tempo escasseia. Mas é a primeira a afirmar que foi uma volta muito benéfica: “Tornou-me na pessoa que sou hoje: mais responsável, mais lutadora. Cresci a nível de maturidade”.

Quando começou a interagir com a sociedade portuguesa, deu-se conta de uma realidade que nunca pensou encontrar: “Percebi que os pretos aqui não eram bem tratados. Fiquei confusa e triste. Estava acostumada a ver, em Cabo Verde, os portugueses a serem bem recebidos… conviviam, misturavam-se. Já aqui, os africanos não são muito respeitados.” Chegaram a negar-lhe emprego, argumentando apenas que não queriam pessoas da sua raça. “A minha maior desilusão foi perceber que ainda há racismo aqui. Até hoje. Já senti muita revolta. Diziam-me, na rua: vai para a tua terra! A mim, que tanto me esforçava por ser uma pessoa independente.”

Ainda que o primeiro impacto não tenha sido o mais agradável, Isabel não baixou os braços. “Comecei a conviver e a conhecer a cultura. Passei a falar mais em português, por que onde eu nasci só falávamos português na sala de aula, de resto comunicávamos em crioulo”.
Valeu-lhe a espontaneidade, que tanto a caracteriza, e fez bastantes amigos em Portugal, o que de certa forma a ajudou a compensar a distância a que está da família. É na altura do Natal e do Ano Novo que sente mais a falta do apoio dos pais, afirma a estudante. São os percalços de quem se lança nesta aventura. Contudo, faz um balanço geral positivo. Considera que aprendeu imenso, progrediu a nível pessoal e intelectual, teve acesso a oportunidades que não surgiriam se não tivesse deixado a sua nação.

Quanto ao futuro, a jovem tem tudo planeado. Quer acabar a licenciatura, pretende fazer um mestrado e tem também algumas coisas em vista para a carreira de modelo. “É algo a que me quero dedicar, sem pôr de parte o jornalismo”. 
Não quer regressar à Ilha de Santiago para ficar a viver lá para sempre, mas diz gostar muito da sua terra, “Sinto-me mais africana do que portuguesa, claro. As minhas raízes não desapareceram”.

Por: Ana Azevedo

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