A violência
doméstica não é novidade para ninguém. Trata-se de um problema universal, que
atinge milhares de pessoas, na maioria das vezes de forma silenciosa. De acordo
com estatísticas oficiais, cinco mulheres
morrem por mês, só em Portugal, colocando o País acima da média mundial, em que
a media é de três mulheres por mês.
Oldemisa tapa o rosto, pois ainda sente alguma vergonha . |
Oldemisa Santos, estudante universitária de 22 anos, enfrentou esta realidade num relacionamento passado. Quando lhe perguntamos como foi sentir na pele os efeitos da violência doméstica, a resposta sai a custo, mas foi clara: “Sei que me fez muito mal, sei que passei muitas noites sem dormir, e a minha definição resume-se em poucas palavras: dor, medo, angústia, sofrimento e vergonha”. Com cerca de 17 anos apenas, a jovem começou a ser vítima de agressões físicas e psicológicas por parte do companheiro, com quem vivia há algum tempo. Durante esse período, Oldemisa deixou-se afectar e mudou a sua maneira de estar. Tal como a própria afirma, sentia-se muitas vezes frustrada, sem vontade de viver, chegando a sentir dificuldades de se integrar normalmente na sociedade. Como vítima de violência nunca apresentou queixa, por várias razões, mas principalmente porque sentia muita vergonha e muito medo. Tal como diz quando recorda o que passou, “É um sentimento que só quem sofre sabe o quanto dói”. Hoje, Oldemisa vive com amigas e em paz. Já dorme descansada, pois o período negro já passou. Contudo, a violência deixou-lhe uma forte marca, a mágoa que ainda guarda.
A violência é um fenómeno social que pode assumir formas diferentes entre a sociedade. No contexto das mudanças culturais provocadas pela
sociedade pós industrial, a família reconfigurou os seus papéis com uma
distribuição desigual de autoridade e de poder e uma maior fragilidade de diálogo.
A emancipação feminina e o ingresso das mulheres do
mundo do trabalho, diminuíram as participações dos pais na educação dos filhos,
criando um vazio que nunca foi compensado pelas creches nem pela
educação escolar. Devido a isso, estabeleceu-se uma indefinição de
papéis sociais e de limites de indisciplina e de abuso físico dos filhos. Os
adolescentes tornaram-se transmissores culturais dessa conduta, que gera em sim
mesmos conflitos interpessoais, baixa auto-estima, frustração e o risco de ser
tanto o agressor como a vítima, com possibilidades de perpetuar a violência.
A violência doméstica passou a ser crime público no
ano de 2002. A lei previu a criação de uma rede de casas de acolhimento,
abrigos e centros de apoio à vítima de violência doméstica. São medidas
necessárias para reforçar a possibilidade legal de afastamento do agressor e
outros mecanismos de protecção, que deram lugar ao aparecimento da
coragem para se romper o silêncio. Assim, verifica-se uma grande preocupação por
parte de diversas autoridades em prevenir a violência doméstica, em especial de
instituições como a APAV (Associação de Apoio à Vítima). O Conselho de
Ministros aprovou o Plano Nacional contra a Violência Doméstica, comemorando
sempre o dia 25 de Novembro, consagrado pelas Nações Unidas como o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres.
Ainda assim, e apesar de toda a informação
disponível, a violência está, ou esteve, presente na vida de muitas mulheres.
Liliana sorri, é a sua maneira de enfrentar um passado violento. |
Liliana Varela
também foi vítima de violência, mas hoje encara a vida de sorriso no rosto.
Rosto esse, onde é impossível não deixar de repara na cicatriz da face
esquerda. A história daquela marca não é muito diferente de todas as outras, de
tantas mulheres que sofrem do mesmo. “O meu companheiro fez-me passar por muita
violência física e psicológica. Devido a um ciúme sem fundamento, o tom das
conversas foi evoluindo, até se tornarem agressivas e violentas. Daí às
agressões físicas passou pouco tempo, e quase virou rotina diária …cada dia
mais do mesmo, e cada dia mais violento”. O agressor chegou ao ponto de, com
uma faca de cozinha, ferir Liliana que, não apresentou queixa. “Nunca recorri
às autoridades no sentido de apresentar queixa, embora tenho sido muitas vezes
tentado a faze-lo. Hoje sou capaz de sorrir de novo, e o tempo da vergonha e do
medo é passado”. Alguns meses depois, a jovem de 24 anos decidiu mudar de vida
e acabar de vez aquela relação. Hoje a sua realidade é bem diferente: “Todos os dias
acordo consciente do que representa o meu passado e do que tenho que ver da vida
de modo a criar um horizonte mais claro e menos pesado, pois o amargo desses
dias foi duro o suficiente para não deixar saudades”.
Tanto Oldemisa como Liliana foram vítimas não só de
violência como também do medo que esta gera. Ambas se tornaram reféns de um
silêncio forçado. Tal como a psicóloga Sílvia Castro afirma, o receio é uma
reacção muito comum, nestas situações: “têm medo que as agressões aumentem
quando o cônjuge for confrontado com as acusações por parte das entidades, medo
de ficar economicamente dependentes e sobretudo medo de perderem os filhos”. O
contexto onde ocorrem as agressões também é o mesmo, nos dois casos. É
sobretudo no seio familiar que se vive alguns crimes mais terríveis da nossa
sociedade, mais que em qualquer outro meio social. É na intimidade do lar onde
mulheres são agredidas pelos maridos ou companheiros.
Segundo Sílvia Castro, as
razões que podem levar ao fenómeno da violência doméstica, podem ser várias:
violência sexual, violência económica, controlar horários e criticar
constantemente tudo o que o outro faz. Em consequência disso, resulta um comportamento
agressivo e delinquente; o consumo de álcool e drogas; as fugas do meio
familiar; bem como as tentativas de suicídio.
Sílvia Castro, psicóloga |
Cada caso é um caso. Mas um contexto de apoio pode
fazer a diferença. A violência não tem uma definição universal, as normas são
diferentes no tempo e no espaço. Ou seja, há variadíssimas culturas e fenómenos
sociais diferentes e por outro lado, as sociedades evoluem e mudam, portanto o
que era antes pode não ser agora e vice-versa. A psicóloga realça a importância
da tomada de consciência da sociedade. À medida que novos olhares foram
desvendando a violência, esta transformou-se num problema sociológico sério e encarado
por entidades politicas e publicas de forma mais assídua e persistente.
Conheça, ou recorde, algumas das campanhas da APAV:
Por: Isabel Fortes
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