sexta-feira, 15 de março de 2013

Leituras no Mosteiro

As Leituras no Mosteiro são uma actividade que convoca todos aqueles, homens e mulheres de diferentes idades e ofícios, interessados em participar numa experiência colectiva, plural, cívica, que é a leitura em voz alta, timbres agudos e graves, de textos teatrais escolhidos propositadamente pelos coordenadores, Nuno M. Cardoso, encenador, e Paula Braga, responsável pelo Centro de Documentação do Teatro Nacional São João (TNSJ). São viagens feitas, a partir da palavra encenada e representada, por países, culturas, literaturas e autores heterogéneos que, em síntese, se complementam, com os seus diálogos, monólogos, personagens e intenções.
Fonte: TNSJ

A sessão de 12 Março, a partir de peças curtas criadas por um conjunto de autores e escritores portugueses, começou pela leitura de Luto, peça escrita por Jacinto Lucas Pires, um diálogo entre Lurdes e António sobre uma história (porque, conforme é afirmado na primeira fala de Lurdes, “todos temos uma história para contar…”) que começa com um cigarro apagado, atravessa uma morte, um acidente rodoviário que vitimou a filha de Lurdes, Marta, e termina no interior de um carro, estacionado debaixo do olhar de um candeeiro que emana uma luz fraca, combalida.

Outra peça lida foi Parabéns, de Luís Campião, cuja acção se passa numa câmara frigorífica, prelúdio de um enclausuramento, distribuída por três personagens, Arnaldo, proprietário de um talho, homem de 61 anos, símbolo da virilidade masculina, opressor, preconceituoso e autoritário, Henrique, filho de Arnaldo, portador de uma personalidade mais indulgente, em oposição à altivez do pai, e Zé, empregado no talho, paciente espectador das imprecações corrosivas de Arnaldo. Interessante desfecho tem esta peça de Luís Campião, em que a ditadura envergada pelo dono do talho, que é, ademais, claramente racista, anti-semita e homofóbico, (há, aliás, uma alusão bem talhada aquela afirmação que ornamenta as sombrias portas de Auschwitz, o trabalho liberta) é derrotada pelo amor partilhado entre Henrique e Zé, união essa representada através de uma rosa vermelha, elemento disruptor se considerarmos que o cenário descrito é preenchido por carnes congeladas, ambiente lúgubre de um talho, que evoca inevitavelmente a carnificina exalada em campos de concentração, indústrias de morte.
Fonte: TNSJ

Outra peça, intitulada Tempo Suspenso/A Solidão do Palhaço, escrita por Paulinho Oliveira, é constituída por um interessante monólogo, em tom de desabafo, que espelha a condição humana, cénica, até existencial, do actor em cima de um palco, perscrutado pelo olhar incessante do público, que vem “espreitar” a “angústia” do mesmo. Mas tudo não passa, quiçá, de uma grande falsidade, de uma representação sem termo, à excepção do próprio actor, despido de papéis, pura carne, espectro do real. É o actor que abjurou a ficção. Mas, não será isso mais um papel, um simples papel “falso”? Esta é a grande capacidade de Paulinho Oliveira na peça, a capacidade de interrogar, de, por um momento que seja, arrancar a máscara ao actor e atirar-lhe a realidade, a frustração, as dúvidas, os sentimentos e as filosofias a um rosto desprotegido.

Por: Joaquim Pinto

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