segunda-feira, 28 de maio de 2012

Entrevista: O Mundo Por Dentro de Pedro Abrunhosa

Da música à crítica política e social, Pedro Abrunhosa, revela o que traz em si para partilhar com o mundo. A pluralidade pode ser transmitida nas canções, mas não se limita às músicas e às letras. Conheça o lado mais intimista de um dos artistas mais carismáticos do Porto.





A FAMA


IV: Quem é este Pedro Abrunhosa? É orgulhoso daquilo que faz?


PA: Isso… [Risos] Claro. Eu acho que uma coisa é ser humilde e outra coisa é ser honesto. A humildade é nunca tirar os pés do chão e percebermos que somos todos da mesma matéria e, se damos nas vistas, é porque, a dada altura, fizemos alguma coisa de diferente. Mas não passa disso. Por isso é que a fama é uma coisa completamente inútil, não serve para nada. Pode-se ser famoso porque se matou um presidente, pode-se ser famoso porque se está numa casa a fazer cocó ou pode-se ser respeitado porque ao longo da vida se tem construído alguma coisa. Nós somos aquilo que vamos construindo ao longo da vida e a fama não é certamente algo que nós construímos. É como o cheiro dos homens que lavam os esgotos, faz parte da profissão. E às vezes é um mau cheiro. A fama é um mau cheiro. Em relação ao orgulho e à modéstia, eu sei que faço música muito bem feita. Isso não tem nada a ver com imodéstia, tem a ver com factualidade, com ter dedicado a minha vida a estudar e toda a minha vida a enriquecer-me por dentro, a viajar muito, a ler muito… [...]  As minhas músicas têm mundo por dentro. Mas elas só têm mundo por dentro porque eu também tenho mundo por dentro. Nesse sentido, é preciso essa tal coisa de não tirar os pés do chão e pensar “ok!, eu tive esta oportunidade”. Portanto, não sou nada modesto em relação à minha música, mas sou humilde.
Qual é o valor da celebridade e qual é o papel de Pedro Abrunhosa na sociedade actual? by Sílvia Silva 5


O VALOR DO ARTISTA E O VALOR DO POLÍTICO


IV: Em entrevista à RTP, no ano passado, explicou que “a arte faz muito mais pelo país do que os políticos” porque causa “ruptura” e que isso acontece sobretudo com o Rock por ser mais “independente” e “rebelde”. Dada a situação política portuguesa actual, nomeadamente os cortes na cultura, pensa que estamos perante uma tentativa de castrar a arte de contestação política e social ou, por outro lado, a dar razão à existência da arte e da música de intervenção?
Os cortes na cultural são um castrar da arte ou dão-lhe razão para existir? by Sílvia Silva 5



PA: Este governo tem um orçamento em relação à cultura que eu nem comento. Não existe. [...] Isto é absolutamente vergonhoso. Em que sentido é que a arte faz mais pelo país? A arte solidifica o país, porque cria uma linguagem comum. Os políticos servem para… gerir o património público, ou deveriam servir para gerir o património público. São os gestores. Acabam, na maior parte, por gerir o património público para seu proveito, em vez de gerirem o património público para o público. Já os artistas criam do nada, do zero. A matéria-prima do artista é a inteligência, é a capacidade de pensar. Esta matéria tem um custo zero. Não polui, não emite dióxido de carbono, é renovável, etc. Os artistas criaram esta actividade que, por sua vez, cria uma identidade de país, o país que nós somos. O país é a escrita de Lobo Antunes, a escrita de Saramago, com Nobel ou sem Nobel, o país é a minha música, é a música dos GNR, de Rui Veloso… O país é isso. [...] A Paula Rego fez muito mais por este país do que qualquer Primeiro-Ministro, qualquer! E, no entanto, tem que viver em Inglaterra porque teve de ir daqui para fora. [...]  Todas a áreas do país são muito mais dependentes do dinheiro do Estado do que a inteligência. A inteligência sobrevive sozinha. É por isso que o Estado tenta, a todo o custo, não dar dinheiro à inteligência, porque a inteligência, faz uma coisa: pensa. E isso é muito preocupante para o Estado. Portanto, há que tentar tirar os tapetes todos para que a inteligência deixe de pensar. O que acontece é que continua a pensar. A cultura sobrevive apesar do poder.


IV: Pensa que os políticos têm vindo a desvalorizar o que se produz em Portugal?


PA: Os políticos têm vindo a desvalorizar-se. Para já, não existe Governo. Este Governo é um Conselho de Administração que está aqui a fazer o que França e Alemanha dizem. Portanto, não existe Governo. Por isso é que os políticos se têm vindo a desvalorizar. Não temos políticos! Estes políticos não disseram nada de novo. [...] Estão a fazer exactamente a mesma coisa que os outros fizeram. E as pessoas acham que não há alternativa. Mas há. Uma das alternativas é a revolução.
os políticos têm vindo a desvalorizar o que se produz em Portugal? by Sílvia Silva 5


POLÍTICA LOCAL


IV: Se fosse presidente da câmara do Porto, quais seriam as principais preocupações e que alterações implementaria?


PA: Uma delas era ser mais tolerante para com as pessoas e para com a oposição. A principal preocupação é a desertificação da cidade. Mesmo com a noite a acontecer, ela durante o dia está deserta e a noite não é solução para o Porto. O Porto corre o risco de se tornar um daqueles antigos portos de piratas onde os piratas iam, bebiam e depois urinavam nas esquinas e desapareciam. O Porto está a ficar assim. Portanto, desertificação, preocupações sociais gravíssimas com a população muito envelhecida, centros de apoio à terceira idade e a jovens. Não há um Skate Park na cidade do Porto, não há um parque infantil na cidade do Porto. Isto… brado aos céus! Porquê? Porque aqueles senhores acham que não é rentável. E não é. Mas servir o património público não é para ser rentável. É para servir as pessoas. Eu sei que os velhos não são rentáveis, os jovens não são rentáveis, mas existem. Fazem parte da sociedade. O Hitler tinha uma solução para eles. Já lá andam perto…





Por: Sílvia Silva

1 comentário:

  1. É a Inquietude, a Irreverência, a Rebeldia, o Inconformismo, o Desassossego, o Desconforto pela realidade que nos rodeia, à qual nos entregamos,... é um despertar, um alerta, um "pôr-se de pé", um abanão, um agitar de consciências, ...é um olhar sobre os idosos, sobre as crianças, sobre os grupos mais fragilizados, mais desfavorecidos, a perda de investimento no bem comum, o Poder e o que passa por nós como cidadãos alterar, contra uma atitude de apatia, de um deixa andar, um nada pode fazer...porque temos um poder que passa por tomar as rédeas da nossa vida, do nosso presente, do nosso futuro. É o nosso futuro que está a ser hipotecado! E há um pormenor que os governantes se esquecem e mesmo a sociedade civil em geral, amanhã também vão ser idosos, se lá chegarem! Se se lembrassem disso, podia ser que algo mudasse. Será urgente rever a forma como tratamos os idosos, a desvalorização a que são votados, sobretudo porque se encara que já não são pessoas produtivas para a sociedade, uma sociedade que não valoriza a experiência de vida. Antes privilegia apenas a beleza, a saúde, a juventude como ideiais a seguir. Está nas nossas mãos alterar o estado das coisas, se queremos uma sociedade mais justa, que nos sirva, que vá ao encontro das nossas necessidades.

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