quarta-feira, 30 de maio de 2012

Violência doméstica: retratos de sofrimento


A violência doméstica não é novidade para ninguém. Trata-se de um problema universal, que atinge milhares de pessoas, na maioria das vezes de forma silenciosa. De acordo com estatísticas oficiais, cinco mulheres morrem por mês, só em Portugal, colocando o País acima da média mundial, em que a media é de três mulheres por mês.



Oldemisa tapa o rosto, pois ainda sente alguma vergonha .

Oldemisa Santos, estudante universitária de 22 anos, enfrentou esta realidade num relacionamento passado. Quando lhe perguntamos como foi sentir na pele os efeitos da violência doméstica, a resposta sai a custo, mas foi clara: “Sei que me fez muito mal, sei que passei muitas noites sem dormir, e a minha definição resume-se em poucas palavras: dor, medo, angústia, sofrimento e vergonha”. Com cerca de 17 anos apenas, a jovem começou a ser vítima de agressões físicas e psicológicas por parte do companheiro, com quem vivia há algum tempo. Durante esse período, Oldemisa deixou-se afectar e mudou a sua maneira de estar. Tal como a própria afirma, sentia-se muitas vezes frustrada, sem vontade de viver, chegando a sentir dificuldades de se integrar normalmente na sociedade. Como vítima de violência nunca apresentou queixa, por várias razões, mas principalmente porque sentia muita vergonha e muito medo. Tal como diz quando recorda o que passou, “É um sentimento que só quem sofre sabe o quanto dói”. Hoje, Oldemisa vive com amigas e em paz. Já dorme descansada, pois o período negro já passou. Contudo, a violência deixou-lhe uma forte marca, a mágoa que ainda guarda.


A violência é um fenómeno social que pode assumir formas diferentes entre a sociedade. No contexto das mudanças culturais provocadas pela sociedade pós industrial, a família reconfigurou os seus papéis com uma distribuição desigual de autoridade e de poder e uma maior fragilidade de diálogo.
A emancipação feminina e o ingresso das mulheres do mundo do trabalho, diminuíram as participações dos pais na educação dos filhos, criando um vazio que nunca foi compensado pelas creches nem pela educação escolar. Devido a isso, estabeleceu-se uma indefinição de papéis sociais e de limites de indisciplina e de abuso físico dos filhos. Os adolescentes tornaram-se transmissores culturais dessa conduta, que gera em sim mesmos conflitos interpessoais, baixa auto-estima, frustração e o risco de ser tanto o agressor como a vítima, com possibilidades de perpetuar a violência. 

A violência doméstica passou a ser crime público no ano de 2002. A lei previu a criação de uma rede de casas de acolhimento, abrigos e centros de apoio à vítima de violência doméstica. São medidas necessárias para reforçar a possibilidade legal de afastamento do agressor e outros mecanismos de protecção, que deram lugar ao aparecimento da coragem para se romper o silêncio. Assim, verifica-se uma grande preocupação por parte de diversas autoridades em prevenir a violência doméstica, em especial de instituições como a APAV (Associação de Apoio à Vítima). O Conselho de Ministros aprovou o Plano Nacional contra a Violência Doméstica, comemorando sempre o dia 25 de Novembro, consagrado pelas Nações Unidas como o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres.

Ainda assim, e apesar de toda a informação disponível, a violência está, ou esteve, presente na vida de muitas mulheres.

Liliana sorri, é a sua maneira de enfrentar um passado violento.
Liliana Varela também foi vítima de violência, mas hoje encara a vida de sorriso no rosto. Rosto esse, onde é impossível não deixar de repara na cicatriz da face esquerda. A história daquela marca não é muito diferente de todas as outras, de tantas mulheres que sofrem do mesmo. “O meu companheiro fez-me passar por muita violência física e psicológica. Devido a um ciúme sem fundamento, o tom das conversas foi evoluindo, até se tornarem agressivas e violentas. Daí às agressões físicas passou pouco tempo, e quase virou rotina diária …cada dia mais do mesmo, e cada dia mais violento”. O agressor chegou ao ponto de, com uma faca de cozinha, ferir Liliana que, não apresentou queixa. “Nunca recorri às autoridades no sentido de apresentar queixa, embora tenho sido muitas vezes tentado a faze-lo. Hoje sou capaz de sorrir de novo, e o tempo da vergonha e do medo é passado”. Alguns meses depois, a jovem de 24 anos decidiu mudar de vida e acabar de vez aquela relação. Hoje a sua realidade é bem diferente: “Todos os dias acordo consciente do que representa o meu passado e do que tenho que ver da vida de modo a criar um horizonte mais claro e menos pesado, pois o amargo desses dias foi duro o suficiente para não deixar saudades”. 

Tanto Oldemisa como Liliana foram vítimas não só de violência como também do medo que esta gera. Ambas se tornaram reféns de um silêncio forçado. Tal como a psicóloga Sílvia Castro afirma, o receio é uma reacção muito comum, nestas situações: “têm medo que as agressões aumentem quando o cônjuge for confrontado com as acusações por parte das entidades, medo de ficar economicamente dependentes e sobretudo medo de perderem os filhos”. O contexto onde ocorrem as agressões também é o mesmo, nos dois casos. É sobretudo no seio familiar que se vive alguns crimes mais terríveis da nossa sociedade, mais que em qualquer outro meio social. É na intimidade do lar onde mulheres são agredidas pelos maridos ou companheiros.



Segundo Sílvia Castro, as razões que podem levar ao fenómeno da violência doméstica, podem ser várias: violência sexual, violência económica, controlar horários e criticar constantemente tudo o que o outro faz. Em consequência disso, resulta um comportamento agressivo e delinquente; o consumo de álcool e drogas; as fugas do meio familiar; bem como as tentativas de suicídio.

Sílvia Castro, psicóloga
Cada caso é um caso. Mas um contexto de apoio pode fazer a diferença. A violência não tem uma definição universal, as normas são diferentes no tempo e no espaço. Ou seja, há variadíssimas culturas e fenómenos sociais diferentes e por outro lado, as sociedades evoluem e mudam, portanto o que era antes pode não ser agora e vice-versa. A psicóloga realça a importância da tomada de consciência da sociedade. À medida que novos olhares foram desvendando a violência, esta transformou-se num problema sociológico sério e encarado por entidades politicas e publicas de forma mais assídua e persistente.




Conheça, ou recorde, algumas das campanhas da APAV: 










Por: Isabel Fortes

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